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Ano Novo

Eugênio Sette


Quando Você pousar os olhos nesta crônica, terei envelhecido um ano, porque sou dos muitos que amanhecem o Ano Novo contando tempo.


À minha mesa estarão amigos, aqueles com quem ainda posso dividir a minha afeição e dos quais posso discordar sem temer, porque todos nos respeitamos naquilo que temos de mais nosso — a opinião própria.


Mas lhe direi que esse entardecer ainda não me incomoda, porque não me doem as juntas, a respiração se faz sem haustos, a barriga não cresceu, e, sobretudo, porque acredito na poesia e ainda não vendi a alma ao diabo.


Apenas, a visão está diminuindo e diminuindo doloridamente, resultado da leitura de aperreados processos, de livros estranhos de histórias estranhas, de notícias que arrepiam os meus já escassos cabelos. Processos, livros, autores, réus, notícias e cabelos que rareiam no alto do crânio, está tudo a me deixar um gosto amargo de descrença na recuperação.


Não lhe faço votos, pois, nem lhe desejo nada, que o meu surrão é pobre. Papai Noel só me trouxe avisos bancários anunciando próximos vencimentos e o meu Dever está maior do que o meu Haver, tudo porque nunca fui intendente, jamais andei pelos corredores da Cexim. (65)


São coisas do destino, é a mão de Deus.


Não é justo, porém, que eu esteja aqui, na entrada de mais um ano, a cassandrar, a chorar misérias minhas e as do país. Jeito não posso dar e Você, leitor, também não. A nossa rebeldia não nos levará a ponto algum, porque os salafras são sempre em maior número e o pouco de moral que nos resta, se bem pensamos, só nos levará à conclusão a que eles, os sabidos, já chegaram há muito tempo — os trouxas somos nós...


É, pois, inútil a pregação de moral, o apelo ao bom senso, ao caráter, à dignidade. A mim me parece que tais palavras estão perdendo — se já não perderam — o sentido, o valor, o peso, a medida. Pongetti (66) disse, não faz muito, que estamos num paul. E que é que se pode esperar de um paul? Mau cheiro...


Mas não me chame, nem conte comigo, para resolver a situação. Pois se assim está escrito desde o início dos tempos, assim deverá ser.


Eu sou é da poesia. Meu xará O'Neill (67) perguntava: "Por que tenho receio de dançar, eu que amo a música, o ritmo, a graça, a canção, o riso? Por que tenho medo de viver, eu que amo a vida, a beleza da carne, as cores vivas da terra, do céu, do mar? Por que tenho medo de amar, eu que amo o amor?"


O que resta de tudo, amigo, é a poesia. Acima e além das misérias e desgraças da vida. Vamos embora, irmão. Deixemos que o mundo se acabe...


Notas

(65) Comissão de Exportação e Importação do Banco do Brasil

(66) O cronista Henrique Pongetti

(67) Eugene O’Neill (1888-1953), dramaturgo americano, Prêmio Nobel de Literatura

27 comentários


Matheus Penido
Matheus Penido
01 de jan.

Devemos desejar feliz 2025 pros tiranos? Um 2025 feliz pro Mussolini será um 2025 desastroso pra centenas de injustiçados e pro que resta das instituições no Brasil. Um feliz 2025 pro Putin será um pesadelo pra milhões de pessoas mundo afora. Fica a questão.

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Matheus Penido
Matheus Penido
01 de jan.

Posso estar sendo ingênuo, mas acreditei na justificativa do Rafa Silva pra expulsão contra o cap. Porém não devemos tratá-lo como coitadinho, ele que criou o problema.

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ALGUÉM LEU AS TRÊS CRÔNICAS?

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Lucas
Lucas
01 de jan.
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Veríssimo eu passo

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GABIGOL NA ÁREA.

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Matheus Penido
Matheus Penido
01 de jan.
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Na área e metendo gol, esperamos.

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FELIZ ANO NOVO para todas Aaspessoas que lutam contra ditaduras mundo afora!

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Mr Rocha
Mr Rocha
01 de jan.
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Para todes!

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